sábado, 19 de julho de 2008

Uma célula renegada, sua história desde o século XIX

Até o século XIX, o câncer era relativamente raro, e isso é explicado pelo fato de que no passado, em muitos países europeus, a expectativa de vida era de apenas 35 anos. Muitas pessoas que poderiam ter contraído câncer mais tarde, eram vitimadas muito antes principalmente por doenças infecciosas. A medicina não contava com produtos farmacêuticos mais eficientes, vacinas, dentre outras tecnologias que foram surgindo no século XX. Essas doenças vitimavam um grande número de pessoas rapidamente, como por exemplo, a peste negra.

Nessa época, quando o câncer ocorria era considerado um acidente fortuito, e nas últimas décadas do século XVIII foram se evidenciando indícios de que o câncer estava relacionado com as experiências ou estilos de vida das pessoas. Essa nova postura iniciou-se quando alguns médicos documentaram tipos particulares de câncer que afetavam subpopulações muito distintas da humanidade. Foram documentados casos de homens portadores de câncer escrotal que haviam trabalhado como limpadores de chaminé na juventude, cânceres nasais em pessoas que costumavam cheirar rapé, mineiros de uranita adquiriam câncer de pulmão, pessoas que trabalhavam com raios-X apresentavam câncer de pele e leucemias, câncer de língua em mulheres que pintavam ponteiros de relógio com radioluminescentes (lambendo os pêlos do pincel), dentre tantas outras descobertas.

Uma análise populacional requer também um conhecimento histórico e cultural, suas origens e seus processos de transformação e abrange aspectos sócio-econômicos e dessa forma obter conhecimento da população com a qual se está trabalhando. Assim, os casos de câncer variam de país para país, apresentando diferentes tipos de câncer como maior ocorrência. O Câncer de fígado ocorre com mais freqüência em determinadas partes da África do que na Grã-Bretanha, o câncer de estômago atinge mais os japoneses do que os americanos, o câncer de cólon ocorre mais em determinadas regiões dos Estados Unidos do que na África.

Uma teoria alternativa se impôs com mais força, fatores externos que afetam o organismo desempenham grandes influências para o surgimento do câncer. Essa mudança, que começou no início do século XX, coincidiu com outra revolução, relacionada á compreensão das doenças infecciosas. Nas últimas décadas do século XIX, Robert Koch e Louis Pasteur descobriram várias doenças letais que podiam ser atribuídas a agentes causais específicos, como bactérias e vírus. Assim, as doenças humanas passaram a ser descritas como conseqüências de causas específicas, passíveis de serem conhecidas, e não como atos aleatórios. Com esse avanço tornou-se possível redefinir e elucidar o câncer. O câncer podia estar relacionado a termos mais específicos, como o estilo de vida e o ambiente.

Durante o século XX, duas mudanças importantes ocorreram, a expectativa de vida aumentou, começamos a viver por 70 ou 80 anos. Nossa dieta também se modificou, passando de uma alimentação rica em grãos e vegetais a uma que enfatizou cada vez mais a carne e grande quantidade de gordura. Os efeitos da dieta são evidenciados pela epidemiologia, há regiões da África cujos habitantes seguem uma dieta baseada quase exclusivamente em vegetais e grãos. Essas pessoas estão expostas a um risco de câncer de cólon mais de dez vezes menor do que o observado no Ocidente. Muitos carcinógenos químicos são introduzidos no organismo através da nossa alimentação, Weinberg (2000) chega a afirmar que em sua grande maioria, os mutágenos ingeridos na alimentação tendem a ser componentes naturais de nossa alimentação e não contaminantes feitos pelo homem.

O organismo sadio é uma sociedade muito peculiar, onde a regra é o auto-sacrifício, mais do que a competição: todas as linhagens de células somáticas são comprometidas com a morte, não deixam progênie, mas dedicam sua existência para o suporte ás células germinativas que, por si, têm a chance de viver. Para o corpo a célula somática é um clone e o seu genoma é o mesmo das células germinativas e pelo seu auto-sacrifício em favor das células germinativas, as células somáticas ajudam a propagar cópias de seus próprios genes. Assim, diferentemente das células de vida livre, tal como uma bactéria que compete para sobreviver, as células de um organismo multicelular são comprometidas para a colaboração. Qualquer mutação origina o comportamento egoísta nos membros individuais dessa cooperativa (organismo), colocando em risco o futuro do empreendimento. Mutação, competição e seleção natural operando dentro de populações de células somáticas são os ingredientes básicos do câncer, é uma doença em que as células mutantes iniciam sua proliferação às custas das células vizinhas e no fim destrói toda a sociedade celular e morre.

A célula cancerígena é uma célula renegada, ao contrário das congêneres normais, as células cancerosas desprezam as necessidades da comunidade de células á sua volta. Estão interessadas em suas vantagens proliferativas, são “egoístas e muito insociáveis”, “aprenderam a crescer” sem nenhum estímulo vindo da comunidade de células á sua volta (WEINBERG, 2000).

 

WEINBERG, R. A. Uma célula renegada, como o câncer começa. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.

ZAVARIZ, Andreia. Análise da distribuição epidemiológica do câncer de mama nos municípios de vitória e vila velha-ES. 2003.

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